domingo, 2 de janeiro de 2011

REMÉDIO CONTROLADO



Antibi​​ótico n​​ão ​é tarja preta. Mas agora é medicamento controlado!     

No dia 29 de novembro de 2010, graças a uma nova resolução da ANVISA (Resolução 44/2010), todas as receitas em que seu médico prescrever antibióticos serão em duas vias. O que é "em duas vias"? Não, não é mão-dupla. Nem toma-lá-dá-cá, tampouco uma-mão-lava-a-outra. Quer dizer que essa receita vai ter que ser feita com uma cópia cabonada. Aí, quando você for comprar seu antibiótico, uma via ficará retida na farmácia e outra voltará com você, carimbada pela farmácia.

As implicações disso são muito importantes - ao meu ver. o custo dos consultórios vai aumentar um pouco (que terão que gastar o dobro dos receituários e isso custa dinheiro), vai aumentar o custo das farmácias bastante (que terão que criar um monte de controles, livros e funcionários dedindo tempo a esse controle) e vai aumentar enormemente a burocracia (e lembre-se que burocracia faz com que seres humanos tenham o estranho desejo de burlar e fraudar burocracias).

Mas o que mais me preocupa não são as implicações mas as motivações dessa resolução. A principal motivação para essa resolução é o surgimento (mais uma vez) de superbactérias. Na verdade, há muito tempo que essas bactérias multi-resistentes aparecem de tempos em tempos. E isso tem uma causa única:o uso indiscriminado de antibióticos. Na verdade, elas aparecem todos os dias, mas sempre isoladamente. Esse "super-poder", vem geralmente com uma "super-fraqueza": elas competem mal com as bactérias normais (ditas "sensíveis") e morrem no anonimato. Mas o uso maciço de antibióticos tem feito com que elas apareçam em frequencia maior e assim, tornam-se perigosas.

É sabido que médicos tendem a prescrever antibióticos com mais frequencia do que o necessário. Afinal de contas, ele tem 15 a 30 minutos para receber, conversar, dissipar o choro, pedir para despir o paciente, esperar despir o paciente, examinar o paciente, fazer todo o raciocínio clínico, tirar as dúvidas com a mãe, prescrever, explicar a prescrição, tirar as dúvidas da mãe, desejar um bom dia, um abraço pra família e fazer os últimos registros no prontuário antes de chamar o próximo. E ainda assim tem toda uma sociedade com tolerância-zero a erros médicos. Lembre-se que junto com a sociedade, vêm os advogados, os jornalistas, os comentaristas e apresentadores sensacionalistas. Na dúvida, prescreve o antibiótico ("matar não vai", diria o médico mais "cascudo").

Agora, muito mais que o médico que já tem uma tendência a prescrever o antibiótico, tem todo um sistema de comércio de medicamentos prostituído e corrupto. Você já reparou que todas as caixinhas dos antibióticos tem uma faixa vermelha horizontal com alguma coisa escrita em branco nela? NÃO? Bem, vai lá no seu armário dar uma olhada e volta aqui que eu espero... Já olhou? Por incrível que pareça, não está escrito "Tudo bem, não é tarja preta, pode comprar à vontade". Nem está escrito "Compre sob orientação do médico ou do farmacêutico". Essa nova resolução da ANVISA é uma redundância. Na verdade, é uma vergonha. Porque bastaria ser obedecida a determinação (não, não é uma sugestão) e tudo estaria resolvido. Mas o camarada tem mania de tentar resolver sozinho ou na farmácia - onde não tem fila (ainda).

Minha mãe me ensinou, quando eu era criança pequena lá no Rio de Janeiro, que não se deve apontar o dedo pra ninguém. Como bom filho, obedeci minha mãe a maior parte da minha vida (mais ou menos). Mas vou desobecê-la hoje, já na minha estréia nessas Iscas Estetoscópicas.

O maior responsável por esse cada vez mais frequente aparecimento das superbactérías é você. Ou o seu vizinho. Ou vocês dois! Mas quem nunca comprou (ou pensou em) comprar antibiótico sem receita ou pedir a opinião do farmacêutico (que às vezes é o balconista, sem formação em Farmácia) que atire a primeira caixinha tarjada. Já sugeri a um amigo que se ameaçasse com voz de prisão o farmacêutico ou o balconista que praticasse medicina ilegalmente (é isso aí, no final das contas) ou que descumprisse a sua obrigação. Também já falei que seria bem interessante a criminalização do uso de antibiótico sem prescrição (o que não deixa de ser consumo de droga). Mas meu amigo disse que eu estava ficando louco. Mas a alternativa é a burocracia... que sempre falha.

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